quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ao acaso

 Como em casulos de dimensões às vezes modestas e às vezes espaçosas, procuram (as pessoas) o pouquíssimo, o infinitesimalmente pouco que lhes é dado espreitar na alma do próximo e se confrontam com sua própria natureza de assassinos, invejosos, devassos, traidores, egoístas, mentirosos, canalhas, mesquinhos, hipócritas, adúlteros, santos neuróticos, estupradores, todos, todos, todos os que estão dentro dele  mesmo. A maior parte se ilude, acreditando que não sentiria a emoção que levaria ao pensamento e deste à ação, mas não é verdade, porque cada um é tudo isso. Cada um de nós é isso e, se nos diferençamos  na prática, devemos creditar ao acaso mais do que à deliberação o fato de nos comportamos de maneira considerada ou até elogiável.

E por isso insistem tanto em negar que estão sós e assim se transformam em fantoches de valores que lhes impuseram com indispensável violência, pois a realidade, qualquer que seja ela, da percebida à insuspeitada, da meramente física à social, não se subordina à ordem alguma, porque assim como o Bem e o Mal, a ordem é a desordem, o caos, a contradição e o vácuo de valores inventados como remédios patéticos, todos fáceis de violar e difíceis de defender, a não ser mentindo, reprimindo e transformando meros desejos em verdades.

Leitura do dia: João Ubaldo Ribeiro, Diário do farol.


     Incrível como alguns livros traduzem o que a gente pensa.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Passos conhecidos

Eu sei como pisar no coração de uma mulher

Eu sei que quando ela passa e te esnoba, que quando ela se enrola com o primeiro cara que aparece (que nós sabemos muito bem que não é o estilo dela), é só pra tentar te dizer que ela tá bem, que ela já superou tudo.

Eu sei que quando ela se arruma e prepara cada centímetro do seu corpo exatamente do jeito que você mais gosta, quando gasta horas pensando no que te agrada, e ela te jura ser por acaso, tá na cara que é por vc.

Eu sei que quando ela te chora dores de outro amor, quando abre seu coração, quando conta dos outros caras, ela quer é tentar te fazer sofrer, jogar na sua cara que ela gosta é de outro, que vc é página virada, mas a gente sabe que ela mente.

Eu sei bem que aquele sorriso que ela dá quando vcs conversam sobre sua namorada, quando ela tenta demonstrar que ela não se importa, que até se interessa, ou que tanto faz, e ela até diz que esse namoro te faz bem, ou te dá conselhos sobre isso, tá na cara que ela se mata, chora, se despedaça por dentro.

E quando ela consegue finalmente se interessar por um outro alguém, ela jogaria tudo pro alto pra voltar com você, porque ela ainda passa algumas horas lembrando do que vcs viveram, imaginando como teria sido, e quando ela sabe que naquele momento vc deve estar com outra pessoa, eu sei que o coração dela se aperta, que as lágrimas são involuntárias. Que dá uma vontade danada de rasgar o verbo, de ser tudo ou nada. Mas a vontade vai passar, porque sempre passa.

Já fui mulher, eu sei.


sábado, 9 de outubro de 2010

Diário

Todos os dias na mesma rotina. Já sei de cor o que fazer em cada instante. O relógio programado as sete só pra me dar o prazer de saber que eu posso dormir até as nove. Ou pra me angustiar de mais uma manhã perdida repondo as horas que a insônia me come de madrugada. O despertar sempre preguiçoso, sempre pesado. Nem me levanto e já abro o email, porque eu sei o que me espera todos os dias. Nem isso é surpresa mais. Até o inusitado já virou rotina. Depois o café, sempre o café, pra me acordar, pra tentar me animar. O que vestir? Um milhão de possibilidades pra uma escolha. O mundo é mesmo patético.

Almoço, ver se tem alguma coisa prática e rápida na geladeira.  Não gosto de perder meu tempo cozinhando, mas desperdiço horas fazendo nada que preste. A gente realmente não valoriza o importante. Na sequência, o trabalho. Sempre atrasada. Crianças. E tudo de novo: substituição dos professores cansados demais pra ir trabalhar, ou folgados demais pra isso. Queria gritar na orelha deles: Vão à merda raça preguiçosa e covarde. Mas pra mim não importa, a função continua. Depois a faculdade. Mais uma aula que sei que não vou me interessar, não vou prestar atenção. Só olho o relógio, com a ilusão de que venha algo melhor. Mas não vem, e eu sei disso. Nos dias bons, ainda consigo dar uma escapada das aulas e tomar uma cerveja. E é só nesses momentos que esqueço dessa desgraça. Amizade realmente tem esse poder de aliviar umas dores.

E por fim, banho e cama. Cama, mas não sono. Sei que meus fantasmas não me tem deixado dormir. Eles tem me assombrado e me posto um medo danado. Medo de não aguentar mais isso. Medo de não querer acordar.

Tô suplicando pra que algo de novo me tire desse marasmo. Sou velha demais pra ter ilusões, mas nova demais pra me acomodar com essa vida. Dou conselhos que nem eu sigo, choro lágrimas sem vida, não tenho fé em nada mais. “Minha alucinação é suportar o dia a  dia”. Estampo um sorriso enferrujado. Digo que sim por preguiça de dizer que não. De ter que dar motivos, explicações. E eu não sei o que fazer com essa sensação. As pessoas ditas felizes, são felizes porque são acomodadas com o pouco que tem, são realmente alheias ao sofrimento e a dor ou são agraciadas com essa coisa chamada tolerância? 

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O vazio no meu peito tem nome

Deus, vamos fazer uma troca?

Leva o que quiser de mim, mas me devolve o Davi?


"Saudade é o pior castigo"