quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ao acaso

 Como em casulos de dimensões às vezes modestas e às vezes espaçosas, procuram (as pessoas) o pouquíssimo, o infinitesimalmente pouco que lhes é dado espreitar na alma do próximo e se confrontam com sua própria natureza de assassinos, invejosos, devassos, traidores, egoístas, mentirosos, canalhas, mesquinhos, hipócritas, adúlteros, santos neuróticos, estupradores, todos, todos, todos os que estão dentro dele  mesmo. A maior parte se ilude, acreditando que não sentiria a emoção que levaria ao pensamento e deste à ação, mas não é verdade, porque cada um é tudo isso. Cada um de nós é isso e, se nos diferençamos  na prática, devemos creditar ao acaso mais do que à deliberação o fato de nos comportamos de maneira considerada ou até elogiável.

E por isso insistem tanto em negar que estão sós e assim se transformam em fantoches de valores que lhes impuseram com indispensável violência, pois a realidade, qualquer que seja ela, da percebida à insuspeitada, da meramente física à social, não se subordina à ordem alguma, porque assim como o Bem e o Mal, a ordem é a desordem, o caos, a contradição e o vácuo de valores inventados como remédios patéticos, todos fáceis de violar e difíceis de defender, a não ser mentindo, reprimindo e transformando meros desejos em verdades.

Leitura do dia: João Ubaldo Ribeiro, Diário do farol.


     Incrível como alguns livros traduzem o que a gente pensa.

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